Após três anos, Brasil sai do Mapa da Fome da ONU
Divulgação/Banquetaço
As Nações Unidas retiraram oficialmente o Brasil do seu Mapa da Fome, três anos após o reingresso em 2021. Segundo a ONU, a conquista histórica foi impulsionada por escolhas políticas que priorizam o apoio à agricultura familiar e o acesso à alimentação. A primeira vez que o país saiu do mapa da fome foi em 2014, mas as taxas de pessoas desnutridas subiram para 4,2% entre 2020 e 2022, colocando o país na cor laranja do mapa. No ano passado, a FAOjá havia indicado que o Brasil estava perto de superar esse que é um dos principais indicadores de baixo desenvolvimento.
O governo brasileiro tem sinalizado que deve dar destaque na COP30 para a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada na cúpula do G20 que o país presidiu em 2024. A iniciativa faz uma conexão direta entre fome, pobreza e crise climática e busca articular países, agências da ONU, bancos multilaterais, sociedade civil e filantropia em torno de respostas práticas à insegurança alimentar extrema. A proposta tem como base políticas já implementadas no país — como transferências de renda, compras públicas de agricultura familiar, alimentação escolar universal e apoio à produção agroecológica — e visa ampliar sua escala por meio de coordenação internacional e financiamento estruturado.
Na arena internacional, o Brasil tem defendido que o combate à insegurança alimentar é parte essencial da agenda de resiliência climática, especialmente diante do aumento de eventos extremos que afetam a produção e o acesso a alimentos. Com a Aliança e o programa Brasil Sem Fome, o país tenta demonstrar que políticas públicas integradas podem reduzir vulnerabilidades sociais e ambientais ao mesmo tempo — e pressiona outros governos a seguir o mesmo caminho.
“O sucesso incrível do Brasil mostra que ninguém precisa passar fome – a fome é uma escolha”, afirma Raj Patel, especialista do painel IPES-Food, autor e professor da Universidade do Texas, Austin. “O que funciona é apoiar os agricultores familiares em vez do agronegócio, investir em merendas escolares, programas públicos e acesso à alimentação. Estes não são ideais utópicos, são ferramentas comprovadas.”
“Com o Brasil liderando a COP30, a mensagem é clara – enfrentar a fome, a desigualdade e as mudanças climáticas andam juntos.”, disse Elisabetta Recine, especialista do painel IPES-Food e presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil (Consea), que assessora o governo Lula em sua política de combate à fome.
“Mas a luta ainda não acabou. Os preços dos alimentos estão subindo e ameaças tarifárias estão surgindo, então precisamos manter o rumo, porque o custo da inação é medido em vidas”, destaca Recine.
Números do Brasil
Há níveis diferentes para medir a privação alimentar na avaliação feita pela ONU. “Sair do mapa da fome”, de acordo com os critérios deste relatório, significa que a desnutrição caiu para menos de 2,5% – abaixo do limite de notificação e muito baixa para aparecer no Mapa da Fome da ONU. “Desnutrição” nesta avaliação é o nível mais grave de fome e significa que as pessoas não têm calorias suficientes para levar uma vida ativa.
Isso aconteceu porque houve redução sensível também nas formas de insegurança alimentar. Entre 2020 e 2022, 21,1 milhões de pessoas (9,9%) estavam em insegurança alimentar grave; entre 2022 e 2024 esse dado caiu para 7,1 milhões (3,4%). Pessoas em insegurança alimentar grave frequentemente ficam sem comida, passando um dia ou mais sem comer.
A proporção de pessoas incapazes de pagar por uma dieta saudável também caiu, de um pico de 29,8% em 2021 para 23,7% em 2024. No entanto, o relatório observa que o custo de uma dieta saudável continua subindo, destacando desafios contínuos em relação à acessibilidade alimentar e à desigualdade.
“O verdadeiro desafio é garantir, todos os dias, o acesso de todos, inclusive daqueles invisibilizados pelas políticas públicas, o direito à alimentação adequada”, afirma Maria Siqueira, codiretora executiva do Pacto Contra a Fome. “Isso significa não apenas ter o que comer, mas ter acesso a alimentos de qualidade, que previnam a fome e também as doenças crônicas, como a obesidade.
Receita brasileira
Com a insegurança alimentar em alta em muitas partes do mundo e as metas da ONU contra a fome perigosamente fora do rumo – em meio a conflitos, choques climáticos e ao aumento do custo de vida – o sucesso do Brasil chama a atenção pelo contraste. Os analistas da FAO destacam o que seria o roteiro que funcionou no Brasil – um combinado de políticas públicas de diferentes ministérios sob o selo do programa Brasil sem Fome:
- Transferências de renda para as famílias mais vulneráveis, por meio da ampliação do Bolsa Família.
- Um programa universal de alimentação escolar, atendendo todos os alunos do ensino fundamental e médio com refeições nutritivas provenientes de agricultores locais e agroecológicos – com expansão para hospitais, instituições militares e universidades.
- Aumento do salário mínimo.
- Compras públicas de agricultores familiares, incluindo pagamentos a pequenos produtores e produtores agroecológicos para fornecer a escolas e cozinhas comunitárias.
- Apoio à transição de agricultores para a produção orgânica e agroecológica – ajudando a combater as mudanças climáticas.
- Apoio direcionado a populações negras e indígenas para acesso às compras públicas de alimentos.
- Garantia do direito humano à alimentação adequada na legislação nacional.
- Um programa Cidades Alimentadoras, que melhora o acesso a alimentos acessíveis em áreas urbanas por meio da expansão de mercados locais, restaurantes populares e bancos de alimentos.
- Coordenação interministerial inédita – envolvendo todos os ministérios, todos os níveis de governo e a sociedade civil – para alinhar os objetivos de alimentação, saúde, educação, clima e erradicação da pobreza.